domingo, 31 de agosto de 2014

#001 Sonhos: O Pesadelo do Enforcamento

Durante a madrugada, o tempo frio levou ao Pedro sonhos que jamais teve. Pedro teria um longo pesadelo, que ficaria em sua mente pelo resto da vida.

Era dia. Pedro caminhava à universidade. Estava sozinho. Ao entrar na universidade e passar pelos prédios dos alojamentos estudantis, avistou uma aglomeração de pessoas. Algumas espantadas, outras em choro, algumas nervosas. Pedro olhou pra cima. E viu o que não queria ver. Viu o que em sua mente não era possível. Lá estavam alguns amigos e parentes seus enforcados. Enforcados. Pedro estava anestesiado de sentir algo. Apenas uma tremulação. O que faz ali sua mãe? O que faz ali seu amigo Rafael? O que faz ali outras pessoas as quais Pedro não reconhecia, mas nada tinha a ver com seu ciclo social.

Pedro caminhou a adentrar na multidão. Conversou com umas amigas, Clarice derrama em lágrimas. Júlia não tinha para onde olhar. E Marisa, da janela de seu quarto, logo atrás ao espetáculo das forcas, imobilizada pelo medo. Algo ali não estava certo. Muitos gritos ecoavam. A universidade fez isso? Foi suicídio? O que aconteceu?

- Foi a Universidade. A Universidade matou eles.
- Suicídio. Não aguentavam nada.
- A Universidade caçou eles. Eles eram rebeldes.
- Morreram. O Rafael está entre os mortos.

Pedro ficou imóvel. Algo ali era nebuloso. Pedro acordou. Acordou em choque daquele pesadelo. Foi à cozinha, bebeu água. Voltou à cama. Voltou ao sonho. Dessa vez, Pedro via sua mãe. Ela estava viva, mas preocupada. Nervosa e suava e desespero, fazia as malas.

- Eles tentaram me matar. Não conseguiram. Não era eu. Vou para o Rio.
- Mãe, você vai para o Rio?
- Vou, você pode me visitar lá, estou pegando avião hoje.

Pedro não entendia, mas estava aliviado, sua mãe estava viva. Um sonho que parecia tão real. Sino. Campainha. Alguém estava na porta. Pedro reconhecia. Era um pedinte. Preso por roubo. Pedro abriu a porta, o pedinte entrou. João era seu nome. João, filho de um policial!

Pedro deixou João para trás e foi ver sua mãe. Ela já não estava. Tinha partido. Pedro voltou, João tinha lhe roubado algumas coisas. Papéis. Muitos papéis. E lembranças. As memórias. Memórias das cameras. Pedro pediu para João devolver, mas João o ameaçou.

Pedrou acordou.

Não entendia, gostou muito do sonho, mas tinha medo de tê-lo novamente. Pedrou pensou na Clarice. Pedro gostava muito da Clarice. Pedro queria ter sonhos com a Clarice. Sonhos bons. Pedro, pensando em Clarice, voltou ao sonho. Pedro conversava com Clarice sobre a vida, sobre os medos do futuro, sobre a Universidade. A Universidade tem se tornado mais hostil.

A Universidade hostil. Sim, Pedro nos sonho voltou a falar de Rafael. Do enforcamento. Pedro conversava com Clarice. Pedro estava com sua mãe. Pedro conversava com Clarice e no carro de sua mãe. Sua mãe não dirigia. Pedro estava feliz. Pedro, sua mãe e Clarice estavam na estrada. Na estrada sem horizonte. Sem limite.

Pedro acordou. Era 10:00. Pedro se levanta, vai á cozinha, prepara seu café. Ainda lembrava seu do seu sonho. Liga a TV. Come o pão. Assiste ao jornal. Come outro pedaço de pão. Assiste ao jornal. Bebe um gole de café. Assiste ao Jornal. Assiste à notícia. Pedro para de mastigar. Pedro assiste à notícia. Pedro derrama o café. Pedro lê na manchete. Pedro se levanta. A manchete. A manchete que dizia. Que gritava. Que assustava. A Universidade. A Universidade agora, vendida. A Universidade, agora assassina. A Universidade. As forcas. Cinco pessoas. Cinco pessoas, enforcadas na Universidade. Pedro assistia à manchete. Pedro não bebeu o gole de café. Pedro reconheceu as 5 pessoas. Pedro não comeu o pedaço de pão. Pedro leu em voz as cinco pessoas. Rafael estava lá. Clarice também. Expostas à porta do centro acadêmico. João, o mendigo, finalmente morrera. Enforcado à entrada da Universidade. Julia, dentro do quarto de Marisa. E o último. O último. Pedro. Pedro leu: Pedro. Pedro era o último. Pedro. Enforcado. Entre Rafael e Clarice. Pedro enforcado. Pedro se reconhecia. Pedro estava ali. E quem estava em Pedro? Pedro virou-se. Pedro encarou o pior inimigo. Ou queria encarar. Pedro. De frente ao espelho. Não se via. Pedro via a estrada. A estrada sem horizonte. Pedro via sua mãe. Chorando. Pedro sabia o que era. Pedro era um fantasma.

domingo, 22 de junho de 2014

Homo Sapiens Sapiens: Parte 1 - Carol e Luis

Festa. s.f. Solenidade, comemoração, cerimônia em regozijo por qualquer fato ou data. Pelo menos no dicionário é assim. E muitos gostam de uma boa festa. Por exemplo, a Carol, adora festa. O Luis também. E nem a Carol, nem o Luis se conhecem. Nem nunca se viram. Mas na festa de hoje a noite eles vão se conhecer.

Carol é estudante de Letras. Mora próximo à universidade em um apartamento na qual divide com uma amiga que não cabe falar agora. Hoje, Carol acordou disposta, cedo, chegaria na universidade, assistira as aulas da manhã e a tarde iria para um esquenta para a grande festa que ocorreria logo no fim de tarde. Carol, aos seus 20 anos e, como qualquer outra pessoa, quer se divertir, ser feliz. Mas Carol sabe que ser feliz não é fácil. Carol é livre e não gosta de gaiolas.

Logo às 07:00 da manhã, Carol se levanta, sem olhar para a cama desajeitada, fruto da noite anterior, a garota se desloca rumo ao banheiro. Despe-se de frente ao espelho. Massageia o cabelo. Fixa o olhar no rosto refletido. Lhe vem um pensamento. Lembra dos acontecimentos de ontem. Lhe vem outro pensamento. Lembra da festa de hoje. Uma maré de pensamentos vem à mente. Carol lembra dos seus problemas de faculdade, das pessoas que não lhe atrai, dos problemas familiares e do peso na consciência de não saber o que fazer nos próximos anos. Carol liga o chuveiro.

Um banho rápido, enrolada na toalha, tremendo de frio, volta ao quarto e começa a se vestir. Com a calça Faltando apenas a blusa a colocar, Carol, ainda com uma expressão bem fechada, vai à cozinha, pega um biscoito, senta no sofá da sala e liga a TV. O jornal passava e os problemas sociais eram postos de frente para Carol. Já não sentia muito. Era banal todos aqueles problemas. Término da bolacha, Carol sai rumo à universidade. Muda. Carol não exprime uma palavra.

Mas, e o Luis? Luis faz direito. Conservador. Mora em um apartamento só dele. Comprado pelos pais, claro. Luis é um rato de festas. Festas caras e chiques, com muita bebida de qualidade. Nada abala sua confiança. Luis, apesar de aparentar uma certa arrogância, é um cara bastante discreto.

Luis acordou, fez seu exercício matinal (um alongamento longo e depois abdominais e flexões), tomou banho e durante toda a ducha, apenas um pensamento. A festa.

"A festa de hoje vai ser foda", pensou Luis.
"Aula agora de manhã, depois esquenta nos malandro".
 "Muita menina gostosa."

No próprio banheiro, Luis se troca, sentindo aquele vapor quente. Vai para a cozinha, pega o leite, o queijo, o presunto, o pão, a maionese e o ketchup. O leite coloca no copa. Pega o pão, abre, põe queijo, presunto, passa maionese e joga ketchup. Uma bocada. Duas bocadas. Bebe o leite. Três bocadas. Quatro. Mais leite. Cinco. Finaliza o pão. Bebe o leite. Pega a mochila e sai. Assim, nada o abala. Aquele rosto, limpo, com sorriso discreto e olhar cortante.

Luis não conhece Carol. Os dois vão se encontrar na festa. O encontro deles trará consequências. Mas isto não é importante agora. Apenas importa saber, que Luis e Carol, são homo sapiens sapiens, assim como outros que narrarei por aqui. E estes outros, que também estarão na festa, cada um com sua particularidade.

domingo, 8 de junho de 2014

Cidade do Presente: João

Ah, o João. Nasceu na rua. E da rua. Do estupro de um policial. Do medo de uma mendiga. Aí o João nasceu. Quando nasceu, era um bebê comum, a diferença é que João não nasceu com amor, nem de amor. João nasceu na rua, cresceu na rua e na rua ficou. Não a vida inteira, pois o lugar do João não é na rua, é na prisão.

Quando João pensou, ele tomou conta de sua existência. Era preciso pedir para sobreviver. João pedia para a mulher do chapéu vermelho, para o garoto da mochila azul, para a menina de brincos verdes, para o senhor da bengala de madeira, para a tia da classe do ensino infantil, para a funcionária pública, para o empresário que não o olhava, para o cara de terno e mala, para o careca que lia o jornal que dizia que o João era vagabundo. João pedia também para a pessoa do saláro minimo, e para a pessoa de 2 salarios minimos. E de 3 salarios minimos e, porque não, de 4 salarios minimos. João pedia e recebia pouco. Pouco. E do pouco que restava, João usava em drogas.

As drogas foram suas amigas durante um tmepo. Sua mãe usava drogas. Seu pai, da lei, também. Só que sua mãe não tinha como melhorar das drogas. João também não. João entrou e não saiu. Não saiu porque não quis. Mas quem quer sair do conforto para viver em uma vida de miséria. Em uma vida vivída nos restos. E joão gastava o pouco que recebia com drogas. Crack, que é barato. Aí João pedia para o garoto da mochila azul que lhe dava algumas moedas. Aí João pedia para o senhor da bengala, que resmungava com alguma moedas. Aí João pedia para o cara de terno e mala, que fingia estar no telefone e não lhe dava moedas. 

Por longo tempo João pediu. João sentia fome e pedia comida. João sentia fome e pedia dinheiro. O garoto da mochila azul pagava um lanche. A funcionaria pública pagava a droga. O vício de João aumentou, o dinheiro não. João, depois de um longo tempo pedindo, começou a pegar. Parou de pedir, começou a pegar. João roubava. João não queria isso. João tinha medo de seu pai. Mas João roubava. João roubou o garoto da mochila azul. Roubou, mas roubou sem querer roubar. João não queria aquele crime. Mas João fez. João roubou e chorou. 

Como eu disse, a rua não é pra João. O garoto da mochila azul, tremendo, assustado, ligou pra policia. A policia, que por meio do Estado, concedeu a luz à João. João é filho do Estado, mas é a policia quem cuida de João. A policia foi lá, cuidar de João. Prender João. João prendido, João preso. João, a rua não é seu lugar, seu lugar é nã prisão, diz a sociedade. João, eu digo, a rua é lugar de protesto. João, sua vida é um protesto.

sábado, 31 de maio de 2014

Alguma coisa na minha mente

Tem alguma coisa na minha mente e não sei dizer o que é. Inicialmente a coisa ta la fora, não na minha mente. Mas eu sinto a coisa. Sinto quando a vejo, sinto quando a cheiro, quando a como, quando a toco e quando a escuto. Aí a coisa entra. Chega nos neurônios. Vai pra mente. Tem alguma coisa na minha mente e essa coisa que tem, que não sei o que é, mas sei que tem, tem na sua também. E tem no coração. Porque antes de passar na mente, passa no coração. 

Um dia, eu caminhava pelas ruas da cidade. As ruas pouco movimentadas. As ruas pouco iluminadas. Virando de esquina em esquina. Se esquivando das sombras. Rumo? Nenhum. Objetivo? Entender. Entender a si mesmo, entender o mundo, entender as pessoas. Entender um futuro que se tem medo. Medo porque não consegue entendê-lo.

Em um dia desses, de caminhada pelas ruas da cidade. A coisa me encontrou. Na verdade, eu a encontrei, mas isso tanto faz. A coisa tava ali, com o cheiro habitual, o gosto habitual, o formato habitual, o som habitual e principalmente o toque, não apenas habitual, mas nervoso. A coisa sorriu. Se aproximou.

Foi questão de tempo e a coisa estava no meu coração. E lá parecia gostar. Mas, sendo sincero, a coisa no coração não era muito legal. O coração bate diferente com a coisa lá. O corpo fica mais lento. O coração dói. A coisa não é muito legal.

Mas a coisa não estava satisfeita, resolveu ir para a mente. E lá se alojou. A coisa estava na minha mente. E prendia a mente em um só lugar. A mente só fazia pensar em uma só coisa. A coisa maltratava. Você fazia algo e esse algo era pra ela. Ela, a coisa, ou ela, a vida. A coisa prende e não larga. Refém da vida.

Eu queria entender o que é essa coisa toda. Que coisa de coisa é essa? Seria o amor? Ou a paixão? A paixão, uma passagem entre o amor e o ódio. Acho que essa coisa existe para nos fazer fracos. Mas nos faz fracos para nos fortalecer. Eu não sei que coisa é essa. Aflição. Só sei que tem alguma coisa na minha mente.

Dias depois eu descobrir, não o que a coisa é, mas o que fazer com a coisa. E vou fazer dessa coisa, pensamentos. E dos pensamentos dessa coisa, vou escrever. Escrever. Se a coisa entra por eu senti-la, ela sai por eu expressá-la. Não sei o que é a coisa, mas sei expressá-la. Onde? Por aí. Pelas ruas pouco movimentadas e mal iluminadas. Pelos cantinhos e esquinas. Naquela esquina, talvez. Ou, quem sabe, nesse cantinho aqui. Cantinho da coisa.